segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012




"D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça".      
Memorial do Convento
“A maioria das mulheres estéreis passa anos de vida a tentar ultrapassar as suas limitações fisiológicas. Mais vezes que menos falhamos, E de cada vez que falhamos ficamos com raiva de nós próprias. (…) Mais do que a dor, mais do que o vazio a sensação verdadeiramente violenta que se apodera de nós como uma garra de cada vez que falhamos é a sensação de vergonha. E por isso ficamos caladas”. 
Prefácio de Clara Pinto  Correia in Marujo, H ( 2004). A Dor Secreta da Infertilidade.




A maioria de nós não dedica uma especial atenção ao tema da infertilidade. Não se pensa no drama íntimo daqueles que lidam com ela. Parir é dor no momento, mas não o poder fazer é uma aresta cortante que nunca nos larga. E a não ser que uma mulher se case com um rei e o país pare à espera de um herdeiro, a maioria das vezes a infertilidade é pouco visível. Atinge uma minoria e essa minoria é silenciosa. Uma simples pinta branca num quadro colorido…
Mas tudo começou numa tarde de Outono com um cheirinho ainda a Estio, que se fazia sentir bem no Parque Expo. A reunião tinha pouca gente e de forma tranquila e agradável apresentaram-nos a missão: pensar, em conjunto com os nossos alunos- adolescentes,  as técnicas da luta contra a infertilidade e a dor de quem não pode ter filhos. Embrulhadas na Ética, na Lei e na Moral consignadas ao tema.
Numa idade em que a ideia de planeamento familiar é unicamente direccionada em “como não os ter de forma alguma” a tarefa não parecia fácil. O tema é curricular mas iria estender-se em termos temporais até Março.
Como fazer?
Primeiro fizemos pesquisas e mais pesquisasE outras coisas!
Do Fórum fugiram um pouco. Porque as professoras podiam controlar o que não sabiam, num assunto que ainda não assumiam totalmente. Porque os investigadores os intimidavam. Muito a medo algumas perguntas surgiram “porque tinha de ser”. Mas não foi de coração.
Entretanto fomos fazendo outras coisas…
A ida ao Congresso com os “eleitos” foi uma festa. E o entusiasmo desses começou a contagiar. Construíram-se os grupos. Definiram-se os trabalhos.
Houve algumas almoçaradas dadas por mães generosas.
Houve tempos roubados pelas professoras e tempos dados pelos alunos.
Não surgiram muitas zangas e amuos. E houve bonomia na aceitação das críticas.
Pouco a pouco começaram-se a divertir e a aprender.
Uns mais do que outros. Como sempre!
Gastaram-se aulas a programar e outras a executar e a avaliar. A informática deu-nos dores de cabeça e nem sempre ajudou!
Mas finalmente chegamos ao fim. O resultado surge na forma de 2 jogos de mesa, uma Peça-Debate e um Quiz. A ideia geral será construir um mundo variado de divulgação e discussão sobre a PMA, com papel, tesoura e cola, acompanhadas de muita criatividade e disponibilidade. E, fundamentalmente, um mundo acessível a todos. Para os que já sabem muito e para os que se querem iniciar. 
À laia de conclusão podemos afirmar que foi boa a experiência. Herdamos material para os que virão. Feito com cuidado e com humor. O tema não lhes é dramático. Mas “o bichinho” ficou. Não vão mais ficar alheados do peso das mágoa de quem não consegue dar a vida. Não vão mais ignorar a luta dos que usam a ciência médica para o fazer.
E depois quem sabe? Num futuro próximo talvez mesmo alguns consigam aprender a ajudar...

Oeiras, Março 2012
As professoras

Ana Salazar Braga (12º D)     Fernanda Agostinho (12ºA)